Aboradagem em DTM: uma área da logopedia pouco trabalhada
Entrevista a Adriano Rockland
– Director de EPAP –
Coordinador del Postgrado en Motricidad Orofacial y del Postgrado en Disfagias Orofaríngeas del Instituto EPAP. Co-coordinador del Máster en Terapia da Fala: Motricidad Orofacial y Deglución, Escola Superior de Saúde do Alcoitão, Santa Casa da Misericórdia, Portugal. Profesor del Máster en Motricidad Orofacial de la UManresa.UVic-UCC; del Máster propio en Intervención Logopédica en Motricidad Orofacial de la UCM. Autor del libro Videofluoroscopia de la Deglución
O que significa Disfunção Temporomandibular?
A definição de Disfunção Temporomandibular (DTM), que acredito ser a mais completa, é a difundida pela American Dental Association: “Disfunção caracterizada por dor na área pré-auricular, na ATM ou músculos da mastigação, limitações ou desvios dos movimentos mandibulares de extensão, ruídos na ATM durante a função mandibular, incluindo dor provocada pela função e palpação, além da relação oclusal estática e dinâmica anormal”, ou seja, pressupõe haver diversos e diferentes distúrbios clínicos que podem aparecer na musculatura mastigatória, na articulação temporomandibular ou memo nas duas, sendo que, a maioria dos indivíduos que forem diagnosticados positivamente com Disfunção Temporamandibular terão o que chamamos de DTM mixta, tanto com problemas na própria articulação temporomandibular, como na musculatura que trabalha para promover os movimentos excursivos da mandibula nas actividades funcionais do sistema estomatognático.
Mais este é um problema comum? Há muitas pessoas com esta Disfunção?
Para responder a esta pergunta, será necessário que eu discorra sobre vários factores.
De acordo com Palla (2004), os distúrbios musculares ou articulares não podem ser conferidos a um só episódio, mas há uma origem multifatorial. Pela dificuldade de conhecimento exacto da(s) causa(s) dos distúbios musculares ou articulares, cita-se de forma geral, três fatores que podem levar a uma DTM, são eles os factores predisponentes, os desencadeantes e os perpetuantes da disfunção. A incidência de cada um dos fatores na etiologia varia de indivíduo para indivíduo e, da mesma forma, o aparecimento de um distúrbio é determinado pelo grau de adaptação dos tecidos. De uma forma geral, poderíamos entender como factores predisponentes os que aumentam o risco de aparecimento de distúrbios musculares ou articulares e se subdividem em: sistémicos, estruturais e psicológicos, já os factores desencadeantes de uma DTM poderiam ser r
epresentados por microtraumas, macrotraumas ou sobrecargas. Os perpetuantes, devem ser percebidos como aqueles que estão na esfera mental, tal como asn sindromas de ansiedade e depressão.
A literatura internacional aponta que entre 40% a 70% da população irá apresentar no mínimo um sinal de distúrbio muscular ou articular, e pelo menos um sintoma. Desta forma, poderíamos concluir que sim, há muita gente que poderia ser diagnóstica com DTM.
O Professor referiu que poderão haver sinais e sintomas. Poderia nos descrever quais são eles?
Lógico que sim. Mas antes deixe-me citar as definições sobre o que são sinais e sintomas.
De acordo com Abubaker, Raslan, & Sotereanos (1993), por sintoma compreendemos que seja cada fenómeno que acompanha uma doença, percebido pelo indivíduo acometido, no caso específico de um distúrbio muscular ou articular. Ao contrário, se considera sinal a alteração detetada pelo avaliador.
Já esclarecidos em relação ao que são sintomas e sinais, posso referir o que tenho encontrado na minha prática clínica, o que de uma forma geral, vem ao encontro dos achados em publicações da área: Por ordem e frequência do aparecimento dos sintomas e sinais: músculos mastigatórios com dor a palpação e/ou função; ruídos da articulação temporomandibular; articulação temporomandibular com dor a palpação; abertura oral com limitação e com dor durante a abertura ou fechamento.
É de notar que a dor ou desconforto é uma presente nestes casos, e é este factor que poderá ou não levar um indivíduo a ter limitações nas funções que fazem parte do sistema estomatognático.
Estes sintomas, associados a Disfunção Temporomandibular, e em especial a dor, como referiu, podem prejudicar concretamente em quê as pessoas?
A dor e/ou desconforto mu
scular e/ou articular é um acontecimento muito frequente, e pode está presente, embora com baixa prevalência, em indivídulos jovens, embora a prevalência seja maior nos adultos, são as mulheres em estado de idade fértil e em fase produtiva profissional as mais afetadas, bem mais que nos homens. Isto faz com que as mulheres estejam entre maior risco para uma DTM. Sendo o stress um dos factores etiológicos mais relacionados com as DTMs, poderíamos refletir sobre este evento:
- Passamos então a refletir sobre uma situação concreta: Um individua, na fase adulta produtiva (vamos compreender a fase produtiva mais activa entre os 35 e 45 anos), com filhos, com atribuições fiscais, a estudar durante a noite para conseguir progredir na vida professional, com alguns problemas de relacionamento conjugal, com um ambiente professional competitivo e stressante, e associado a tudo isto, se define como uma pessoa ansiosa e stressada. (como é lógico, esta é uma situação de exagero, contudo, alguns destes factores são descritos/colhidos nas anamneses).
- Possibilidades para descarregar a tensão: Sair do emprego, pedir o divórcio, entregar os filhos para adoção, deixar de estudar e não se tornar mais competitivo. Ou seja, são opções pouco viáveis e exequíveis.
- Decisão provável: Se morder. Ou seja, fazer apertamento dentário. O apertamento dentário ou bruxismo cêntrico é geralmente o que fazemos para inibir a tensão por stress e/ou ansiedade.
Preciso desta forma falar um pouco sobre as parafunções: bruxismo cêntrico e excêntrico.
Contrações oclusais de forma Cêntrica (apertamento) ou Excêntricas (ranger), é com frequência associada a etiologia das disfunções musculares e/ou articulares.
Em alguns estudos realizados, com parafunções simuladas, foi visto que parafunções durante um período longo ou maior de 15min provoca dor muscular e dependendo da sua intensidade, os mesmos sintomas encontrados nos distúbios musculares e/ou articulares: fadiga muscular, odontalgia, dores na região articular, cefaléias e muitas vezes estalos articulares.
O Bruxismo Cêntrico provoca dor isquémica, que é causada pela concentração, no tecido muscular, de substâncias indutoras de dor produzidas pela contração: a diminuição do calibre dos vasos sanguíneos, em consequência do aumento de pressão intramuscular gerada pela contração. Já o Bruxismo Excêntrico pode causar microlesão no tecido muscular, mas se contrapõe a dor isquémica. No entanto podem provocar inflamação e sensibilização dos nociceptores. Esta é uma parafunção que pode ter origem multifactorial.
Concretamente, a Dor ou desconforto pode prejudicar na incisão ou mastigação dos alimentos, na produção ou projeção vocal, em dificultar a deglutição dos alimentos, em articular correctamente as palavras, além de poder dificultar a respiração. Estas são as funções mais prejudicadas, isto tendo em consideração o grau do distúrbio na articulação temporomandibular ou na musculatura responsável pela abertura, fechamento, lateralização, protusão e retração da mandíbula.
Então as parafunções são muito prejudiciais ao bom funcionamento da Articulação Temporomandibular e da musculatura mastigatória. Qual a causa e o que o Logopeda pode fazer nas parafunções?
A etiologia do bruxismo ainda é confusa e diversos são os factores que podem estar interligados com o seu aparecimento. Apesar de não haver tratamento, o controlo da parafunção com abordagem na conscientização e na melhoria da qualidade de vida, é a abordagem mais prudente para o bruxismo.
No âmbito da Terapia da Fala, a abordagem não é para o bruxismo, mas na retirada de contracturas ou dissolução de nódulos de tensão que possam estar a provocar dor e/ou prejuízos nas funções do sistema estomatognático.
Falam muito dos “estalidos” da ATM. Poderia nos explicar um pouco sobre isto?
Sim. Contudo deixe-me clarificar novamente algumas coisas:
As modificações fisiopatológicas que causam um distúrbio muscular e/ou articular estão localizadas na musculatura ou na articulação temporomandibular. Acredito que isto ficou claro.
Para ser compreendidos os “estalidos”, precisamos falar sobre as “discopatias”, que estão relacionadas com a mudança da relação anatómica normal côndilo-disco, também resultando na alteração da função. Para explicar melhor, a alteração da relação côndilo-disco é um deslocamento do disco do seu estado fisiológico. Este deslocamento pode se dar na direção anterior, medial, lateral, ou mesmo posterior. Os deslocamentos mais frequentes são os anteriores e antero-mediais. Já os deslocamentos em direção dorsal são mais raros, contudo são os que dão limitação da abertura oral.
Compreendendo isto podemos dizer que os deslocamentos do disco articular podem ser “Com Redução” e “Sem Redução”. Estes deslocamentos são assim descritos baseados na sua condição clínica. Deslocamento Com Redução, acontece quando o disco, no movimento de abertura, assume uma posição normal. Pode ser redução total (quando a relação côndilo-disco se normaliza), ou parcial (quando a relação côndilo-disco apenas melhora). Já os Deslocamentos Sem Redução, podem ocorrer com ou sem limitação da abertura oral. Nestes deslocamentos sem redução o disco
articular está posicionado anteriormente e é empurrado durante a abertura oral.
São estes deslocamentos que fazem com existam ou não os “clicks”, estalidos na articulação temporomandibular. No entanto, nem sempre há o click, podendo haver uma outra condição, que é a “crepitação”. Esta condição acontece quando as estruturas osseas não estão protegidas pelo disco articular durante os movimentos excursivos da mandíbula, provocando o contacto de osso com osso. Esta condição poderá levar a outras condições patológicas na articulação temporomandibular, como por exemplo as artroses.
Então sempre que houver estes “clicks”/”estalidos”, estamos diante de um doente que necessitará de tratamento?
Existem muitas teorias e correntes de actuação nas Alterações da Articulação Temporomandibular. Desta forma, prefiro de uma forma generalista falar um pouco sobre a minha percepção nesta área, baseado nos anos que trabalho em atendimento a estes pacientes.
Há uma condição ou condições que podem influenciar se o doente irá ser elegível de tratamento. Na minha opinião o factor principal é a dor e a limitação das funções. Se houver dor, em uma escala de 0 a 3 níveis, na ordem de 2 ou 3, ou limitação da abertura oral e/ou dificuldade de mastigar os alimentos, o doente irá aderir ao tratamento. Caso contrário, não. O tratamento requer atendimentos na ordem de 2 a 3 vezes por semana, em um intervalo de tempo que pode ir de 2 a 6 meses dependendo dos achados clínicos. Tempo e dinheiro são dois factores que podem ser desmotivantes, quando não existe dor significativa e limitação de funções que possam atrapalhar a condição pessoal, social e profissional do paciente.
Muitos dos indivíduos que irão ter um ou mais sinais ou sintomas de DTM podem sofrer de remodelação articular, que é considerada como a normal adaptação dos tecidos moles e duros à mudança de carga.
De uma forma geral, a necessidade de tratamento dependerá de uma avaliação criteriosa através de uma avaliação funcional, e se necessário com confirmação de exames de diagnóstico como tomografia computadorizada e ressonância magnética.
Diante do diagnóstico diferencial, se decidirá se o tratamento inicial é “conservador” (feito pelo logopeda, fisioterapeuta, psicólogo, entre outros profissionais de reabilitação física e motora), ou se será necessária uma abordagem mais invasiva, com procedimentos cirúrgicos abertos ou fechados. Mesmo assim, a decisão final será sempre do paciente, e na minha opinião e experiência, a motivação será exactamente o que já citei: “grau de dor e de limitação funcional”.
O Professor falou sobre tratamento “conservador”. Poderia nos explicar em que consiste a diferença entre a abordagem feita pela logopedia e outras áreas profissionais.
A logopedia tem um trabalho importantíssimo no âmbito da reabilitação/reorganização muscular/funcional nas Disfunções Temporomandibulares, trabalho este que não choca com outras áreas profissionais.
Para iniciarmos esta compreensão faz-se necessário relembrar que o foco de trabalho na motricidade orofacial efectuado pelo logopeda é na reabilitação das funções do sistema estomatognático, que tem como funções primordiais a mastigação, deglutição, respiração, voz e articulação da palavra.
Alterações na biomecânica articular podem levar a distúrbios destas funções, bem como alterações destas funções podem prejudicar o correcto funcionamento da articulação. Para que não existam sobrecargas nas estruturas articulares, todas as funções do sistema estomatognático deverão estar em perfeito funcionamento. Seja nos distúrbios da ATM ou na musculatura que a rodeia, todas estas funções irão estar envolvidas, e podem não apenas agravar o problema como o perpetuar ao longo do tempo.
Todas as funções do sistema estomatognático para serem executadas, necessitam de uma ação muscular. Esta actividade muscular deverá ser executada por músculos que ao serem avaliados devem estar dentro do seu padrão de normotonia. Actividades funcionais a serem executadas com cadeias musculares hipofuncionantes, hiperfuncionantes, hipotónicas ou hipertónicas, levam a desequilíbrios do sistema estomatognático, levando a sobrecarga na ATM. E mesmo que haja remodelação articular por sobrecargas, se o individuo tiver predisposição a problemas articulares, poderá desenvolver quadros álgicos a palpação muscular ou durante a execução de funções do sistema.
Estando claro o foco do nosso trabalho nesta área, é fácil compreender que a nossa abordagem deverá priorizar o relaxamento e alongamento de toda a cadeia muscular de cabeça e pescoço, pois todas as funções do sistema estomatognático requerem uma correcta normotonia destas cadeias musculares. Deverão ser retirados os factores desencadeantes ou perpetuantes de dores, tais como identificação e eliminação de nódulos de tensão metabólico na musculatura facial, mastigatória e cervical, com uma boa inspeção a palpação de dor local ou dor referida. Para esta inspeção de dor a palpação utilizamos em nossa abordagem a calibração manual/palpatória através de um aparelho de algometria, para que a nossa avaliação esteja a obedecer as directrizes e indicações para uma correcta avaliação muscular. Existem valores de pressão a palpação muscular publicados pela Academia America de Dor Orofacial, que são utilizados para esta correcta avaliação, que variam entre as 500 grams e 1kg e 500 gramas, dependendo da estrutura e local avaliado.
Após a aplicação de técnicas e manobras de alongamento muscular, associados a utilização de termoterapia, electroestimulação ou aplicação de laserterapia com a finalidade de oxigenação através do aumento de irrigação sanguínea local, passamos a terapia funcional para equilíbrio ou resgate das funções que possam estar comprometidas.
Durante a terapia miofuncional, procuraremos atingir os nossos objectivos terapêuticos de acordo com os achados através da anamnese e avaliação clínica. Nesta abordagem poderemos utilizar de exercícios isométricos para aumentar o tónus muscular, de exercícios isotónicos para conseguir uma melhor mobilidade ou isocinético para coordenar a musculatura priorizando um movimento equilibrado, como por exemplo nos desvios ou deflexões mandibulares.
A abordagem feita pela logopedia nas DTMs é minuciosa, requer um conhecimento alargado da actividade muscular e da biomecânica das articulações temporomandibulares. Requer sobretudo, que é um grande diferencial para a nossa profissão, saber como equilibrar, reorganizar, adaptar ou automatizar as funções de mastigação, deglutição, voz, respiração e articulação da palavra. Funções estas que são objectivo de tratamento a área da motricidade orofacial.
Contudo, é importante referir que o nosso trabalho nesta área, requer uma colaboração estreita de outros profissionais de ponta, como a fisioterapia, que poderá ser importantíssima para a reorganização postural global do nosso doente, pois uma má postura, pode influenciar directamente a base de sutentação e postura hióidea, o que leva a mudanças significativas na postura de língua e na própria biomecânica da ATM. Isto sem referir as outras funções que podem sofrer sobrecargas, tais como respiração, voz e deglutição.
A psicologia, fundamental nas abordagens das ansiedades, depressão, stress e outros comportamentos que podem não apenas ser desencadeantes e estarem na base etiológica do problema, mas podem inclusive ser perpetuantes, impedindo uma rápida evolução ou mesmo recidivas futuras.
A medicina dentária e a medicina maxilofacial, pois nem sempre há sucesso terapêutico com a abordagem conservadora, e mesmo nestas, é sempre necessária a avaliação criteriosa da morfologia articular e antropometria facial. Sendo necessária muitas vezes a colaboração em parceria através de uma viscosuplementação em casos de articulações sem ou com pouca movimentação na própria articulação da palavra (relembrar que articulações cerradas e funções com limitações de amplitude articular, podem levar o líquido sinovial a perder viscosidade e lubrificação). E nos casos de insucesso conservador, compreender qual a abordagem médica para depois sabermos como iremos proceder a uma reabilitação pós-cirúrgica, seja iniciando com drenagem manual ou manipulação muscular, e depois reorganização das funções do sistema estomatognático.
Para concluir, gostaria de falar sobre algo específico?
Este é um assunto apaixonante, uma área da logopedia pouco trabalhada, pois nem sempre estar claro qual o nosso papel e abordagem nestes doentes. Deixo apenas uma observação que considero muito importante: O nosso trabalho nas Disfunções Temporomandibulares, nos Traumas de Face, nas Cirurgias Ortognáticas ou em qualquer área de cabeça e pescoço é na reabilitação das Funções do Sistema Estomatognático, e para o equilíbrio destas funções, é necessário a correcta avaliação e manipulação da musculatura oral, facial e cervical. Sendo estas funções passíveis de serem reabilitadas pela nossa profissão, faz-se necessário que saibamos justificar a nossa actuação nestes casos, pois não se consegue reabilitar as funções apenas manipulando músculos. É necessário saber como reabilitar as funções até a automatização correcta ou adaptada das mesmas. Isto sé o nosso grande diferencial profissional, ORGANIZAÇÃO MUSCULAR E REABILITAÇÃO FUNCIONAL DO SISTEMA ESTOMATOGNÁTICA.